Um
enfoque sobre o contrato de mandato
Ab
initio, o mandato é um contrato pelo qual uma pessoa
outorga poderes a um estranho de sua confiança, para que este faça algo como se
fosse ela própria. Pode este ser extrajudicial ou judicial, com ou sem reserva
de poderes, político, etc. O instrumento deste é a procuração. Desta feita, relevante é, sem dúvida, ao
mundo jurídico, seja para advogados, juízes ou até mesmo empresários. Depende
da vontade dos mesmos, sobre a qual bem salienta Silva[1]:
“Basta que a vontade dele, milagrosamente, vença as distâncias e, ali,
comunique a outrem, que age por si, em seu próprio nome e se como ele fôra, o
desejo de que assim se proceda diante do poder de representação conferido”.
Assim, um negócio de confiança, ligado muito a amizade, para a administração de
negócios, exercício de atos e representação da vontade ou mesmo do pensamento
de quem lhe transmite poderes.
Já
no direito romano o mandato se ligava com a amizade, sendo uma real missão
desta. Bastava um mero aperto de mão, aceitando-se a incumbência de representar
o outro, e, tacitamente, o contrato estava firmado. Uma certa ritualística
religiosa, como era de costume na antiga Roma. Portanto, a palavra de manu
(mão) e data (dada), mão dada (mandato). Assim, lembra Arruda[2]:
“Nos tempos em que a palavra escrita não era, ainda, usada pelos habitantes da
Terra, os contratos, entre eles, eram representados simbolicamente”. Era do costume tal fato, uma vez que o pacto
(contrato) deveria ficar para a posteridade, deveria ser uma marca dos
ancestrais, além de uma forma ritualística que identificasse este.
Pode
ter o contrato de mandato por objeto qualquer ato, desde que lícito, possível e
sem vícios de consentimento. Mesmo que este demonstre lealdade, deve respeitar
o ordenamento jurídico vigente, suas normas e princípios, principalmente a boa
fé e a probidade.
Refere-se
a poder e a delegação deste, podendo ter outras significações, como o mandato
político, a co-delinqüência do direito penal e por fim o contrato de mandato, o
qual abordaremos no presente trabalho.
Dispõe
o código civil em seu artigo 653:
Art.
653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu
nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento de
mandato.
Uma
fórmula traduzida dos comentários do código civil de Beviláqua. Para tanto,
este pode ser gratuito ou oneroso e o mandatário obriga-se em nome do mandante.
Modelo antigo, repetido no código civil, nada mais é do que um representante
com determinados poderes. Sobre a linha civilista adotada no Brasil, entende
Silva[3]:
“Tal como o define, o Código adotou a característica inconfundível da figura
jurídica. Ali se assinalou, precisamente, seu primordial fundamento, que se
firma na representação requisito mater para a sua composição jurídica, seja
pelo Direito antigo, seja pelo Direito moderno”. Sobre o instrumento, ficou meio fechada e
exaustiva a definição do código, uma vez que com o advento da informática e da
globalização, nem sempre se é possível usar da velha procuração.
Como
os demais contratos, deve o mandato respeitar a sistemática jurídica, como a
autonomia da vontade, a equivalência das prestações, o não enriquecimento sem
causa, a probidade e a função social do contrato, esta última de maior
relevância, haja vista ser um novo paradigma, pois quebra a concepção clássica
dos contratos. Sobre
este tema, entende Bierwagen[4]:
Se
por um lado a função social do contrato se cumpre quando garantida, no aspecto
individual dos contratantes, a preservação de seus direitos fundamentais de
liberdade e igualdade – o que não deixa de ser um prevalência do interesse
público sobre o particular – de outro, tal função social também depende do
atendimento a certos interesses que estão além das partes e que podem ser
afetados pelo contrato, os chamados interesses sociais.
Para
tanto, o mandato não deve servir para favorecer mazelas, principalmente no que
tange a interesses particulares, prevenindo, assim, maiores injustiças. Deve
não ampliar desigualdades e respeitar a coletividade, o meio ambiente, classe
desfavorecidas etc.
De
interesse é que o mandato ocorre por uma representação, sobre a qual entende
Silva[5]:
“A representação que se patenteia como o ato pelo qual alguém aparece
praticando atos por outrem, tanto se funda na vontade (contrato), na lei ou em
ato emanado da autoridade judicial”. No que se refere a lei e autoridade
judicial, é o caso do incapaz e das
pessoas jurídicas, as quais tem necessidade de representação especial. A
representação é a própria essência do mandato.
Há,
ademais, uma substituição de agentes, como observa Silva[6]:
“O mandato envolve, fundamentalmente, a substituição do agente na prática do
ato. E o agente substituto não assume obrigação pelos atos que realizou,
obrigado tão somente, a pessoa em nome de quem agiu”. Tem certa semelhança com
a substituição processual, pois a pessoa age como se fosse quem substitui,
defendendo os interesses desta como se próprio fosse. Assim, é mister que aja
uma prestação de um para com o outro, tendo estes capacidade para tais atos.
Curiosa
é a terminologia usada para designar os sujeitos do mandato e seu objeto, assim
sendo, coloca Arruda[7]:
Aquele que dá a outrem poderes para,
em seu nome, praticar atos ou administrar interesses, denomina-se outorgante,
mandante ou constituinte, e quem recebe tais poderes diz-se outorgado,
mandatário ou procurador. A primeira cópia original da procuração chama-se
traslado. As demais cópias devem ser dadas em forma de certidão.
Basicamente,
há o outorgante, o outorgado e os poderes – além das assinaturas, é claro.
Desde que o objeto desse contrato seja lícito, podem ser outorgados amplos
poderes, ou restritos, dependendo do que foi contratado. Como o caso que nos
interessa, o mandato com cláusula ad judicia, pertinente a todos os atos
atinentes ao processo, sem necessidade de enumera-los, porém podendo o fazer.
Quanto mais poderes se tiver, maior a responsabilidade e maior será o trabalho,
não sendo recomendado.
O
mandato pode ser por instrumento particular ou público, este último registrado
no livro de notas do tabelião (cartório), devendo conter a qualificação do
outorgante, do outorgado, mais o endereço do escritório profissional e o número
de inscrição da OAB, se advogado, no que tange a fins judiciais. O de
analfabeto obrigatoriamente por instrumento público. Conterá nome do tabelião
que o faz, data, ano, mês, dia e declaração do lugar onde é passada. Relevante
é sobre os poderes, onde deverá ser designada a sua extensão, devendo ser
expressos os especiais. Conterá, ademais, a causa ou o negócio para que é
passada e as duas testemunhas, presentes no ato.
Pergunta
que fica é se o incapaz pode outorgar mandato, respondendo Wald[8]:
“Os incapazes podem outorgar mandato, devendo a procuração ser dada pelos seus
representantes legais, sendo absoluta a incapacidade ou pelos incapazes e seus
assistentes, sendo a incapacidade relativa”.
Com a redução da idade da capacidade para dezoito anos, algo se alterou
em parte. Porém, na Justiça do Trabalho já se admitia após os dezoito anos
pleitear na Justiça do Trabalho, sem assistência de seus pais e tutores, como
bem observa o artigo 792 da CLT. A assistência deverá ocorrer a partir dos
dezesseis anos, só auxiliando, não intervindo em sua vontade. O que vem a tona,
é se por analogia, poder-se-ia interpretar a norma para que também este maior
de dezesseis anos poderia pleitear só na Justiça do Trabalho, uma vez que antes
era relativamente capaz até os vinte e um anos, o que não era impedimento para
tal ato. Mas, esta é questão para outro trabalho.
Pode
o mandato, também, ser em causa própria. Sobre este, salienta Wald[9]:
O mandato em causa própria é,
conforme indicado, outorgado no interesse do mandatário que, conseqüentemente,
fica isento de prestar contas e tem poderes amplos, equivalendo a procuração a
venda ou a cessão de direito. é muito usada na cessão de títulos de clube e na
alienação de bens imóveis. Trata-se de mandato irrevogável e que subsiste após
a morte do mandante.
Difere
da postulação em causa própria, esta quando o advogado postula ação em juízo em
causa própria. Aquele é, em verdade, uma compra e venda disfarçada em
procuração, para não pagar o imposto de transmissão.
Podem
os poderes serem transferidos, o que se fará pelo substabelecimento, o qual se
fará com ou sem reserva de poderes, se for sem, será substituído o procurador.
O procurador pode não ser autorizado a fazê-lo, se combinado e mesmo que a
procuração seja passada por instrumento público, pode o substabelecimento ser
feito por instrumento particular.
Como
obrigações do mandatário na execução do mandato, pode-se citar a diligência, a
pessoalidade dos atos, prestar contas, pagar juros se utilizou dinheiro para
fins pessoais, indenizar o mandante se causar prejuízos por culpa ou dolo,
atuar nos limites do mandato e continuar a praticar os atos, mesmo com perigo
de mora, mesmo com a morte do mandante.
Sobre
a extinção do mandato, bem resume o código civil, em seu artigo 682:
Art.
682. Cessa o Mandato:
I – pela revogação ou pela renúncia;
II – pela morte ou interdição de uma
das partes;
III – pela mudança de estado que
inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para o exercer;
IV – pelo término do prazo ou pela
conclusão do negócio.
As
possibilidades aduzidas, principalmente a da morte, não vale para a pessoa
jurídica, uma vez que a sociedade pode continuar. A renúncia é declaração
unilateral do mandatário e pode ser feita a qualquer tempo. pode haver uma
cláusula em que este não poderá renunciar. A revogação é ato pelo qual o
mandante rescinde o mandato, podendo ser expressa ou tácita.
[1] SILVA,
de Plácido e. Tratado de mandato e prática das procurações. p. 14.
[2] ARRUDA,
João Batista de. Manual de procurações. p. 19.
[3] SILVA,
de Plácido e. Tratado de mandato e prática das procurações. p. 23.
[4] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Os
principios e regras de interpretação dos contratos no NCC. p. 45.
[5] SILVA,
de Plácido e. Tratado de mandato e prática das procurações. p. 29.
[6] SILVA,
de Plácido e. Tratado de mandato e prática das procurações. p. 33.
[7] ARRUDA,
João Batista de. Manual de procurações. p. 19.
[8]
WALD, Arnoldo. Direito das obrigações.
p. 447.
[9]
WALD, Arnoldo. Direito das obrigações.
p. 450.
Mariano Soltys: somos mandatários da humanidade e estamos cumprindo com zelo nossa missão de procuradores. Que os anjos digam amém. Quanto ao instrumento de outorga, ele é invisível e ficto. Respeitosamente, CLÉVERSON ISRAEL MINIKOVSKY
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