Democracia e
desobediência civil
Presenciamos em todo o Brasil uma onda de passeatas, o
que nos faz refletir sobre a cidadania e o que legitima a democracia. A
revolução pacífica acaba sendo produtiva em tempo de paz, e vemos vários atos
que podem compensar a violência, ou serem outras formas de violência. A greve
de fome é claramente uma violência, mesmo que seja apenas consigo mesmo ou
provocando a pena alheia, apesar do que se ameaça ser também a vida. Observamos
que as conquistas que a sociedade obteve são grandes valores, e que o espírito
político leva muitos a se manifestarem indignados pela situação atual, de
corrupção. Será que é apenas atual? Mesmo na Grécia antiga, em meio a filósofos
e uma série de idealistas, se comprovou recentemente que houve manipulação de
votos. A própria noção de democracia não é perfeita, uma vez que o povo não
exerce o poder diretamente, mas o delega a um representante, o qual vemos não
estar preparado para tal encargo. Um escritor e pensador norteamericano, Henry
David Thoreau, chamou essa revolta contra o governo de “desobediência civil”, apesar
de que no caso dele era mais uma forma de seguir o pensador francês Rousseau,
que defendia a ideia de que a sociedade corrompe o homem e que ele é
naturalmente bom. O bom selvagem. Também que o Estado é um contrato, e que se
poderia talvez não aceitar sustentar o Estado. Assim, o americano citado disse
que “O melhor governo é o que menos governa”, na linha dos democratas. Já na
Índia, presenciamos Gandhi defendendo também uma ideia de revolução pacífica.
Por outro lado, muitos fatos históricos foram contudo violentos, como a
Revolução Francesa, e mesmo as duas grandes guerras mundiais, e todos esses
eventos levaram a fundar a nossa sociedade democrática, livre e igualitária. Apesar
de que refletido, vemos que a falta de liderança, ou mesmo de objetivos mais
focados fazem das passeatas algo que provoca a classe política, mas nada além
dos meios constitucionais e legais, o que é positivo por dar mais
segurança ao sistema do Estado e da
República. República significa coisa pública (res publica), sendo que é
de todos nós o país. Apenas deixamos ao governo de representantes, e talvez
governar mais em sentido positivo, em geração de direitos seja necessário, e
menos na cobrança de impostos, deveres. A melhor forma de governo ainda é a
democracia, uma vez que sem ela desbancamos para a ditadura, ou o governo de um
só, ou de uma classe aristocrata, ou mesmo sem levar a opinião da maioria em
conta. As passeatas são assim um movimento que exige reforma política, leis
mais severas contra a corrupção, maior justiça, contra a PEC 37 e outros
direitos, sendo que tudo teria começado não com mera reclamação de valor de
passagens de ônibus, mas com o espírito político refletido em redes sociais da
Internet, sendo cada um na rede a voz da totalidade. Claro que aqueles
violentos que existem em meio ao grupo, encontram uma forma de catarse para
liberar suas frustrações e mesmo fazer o que não fariam se estivessem sozinhos.
Mas já possuímos meios inteligentes para exercer nosso direito de participar
mais ativamente no governo, e isso se faz por referendos ou plebiscitos
populares. Assim podemos decidir essas questões, como a reforma política,
penalização severa de improbidade, função de Ministério Público e tantas
outras. Contudo, por fim vemos aquele espírito do iluminismo combinado com uma
luta de classes quase socialista, e mesmo de buscadores da liberdade e da
igualdade, algo que presenciamos nessas manifestações. Começou com ideias de
grandes homens, pensadores como Rousseau, Thoreau, Emerson, Gandhi, Confúcio,
Lao Tsé, Marx, Platão e tantos outros, que vieram e que virão, levando a
humanidade para a sua evolução moral.
Mariano Soltys, escritor e
advogado